sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Take II

Savona, 13 de Dezembro de 2013
         You do not have a soul.
    You are a soul.
    You have a body.


    

    Entre o seis e o sete de Itália.

    Após UM ano. Ein Jahr. Un anno. One year. 


Um ano de aventura fora do ninho.
                              fora do porto seguro.
                              fora do conforto de casa.
                              fora do meu quarto.
                                    da minha cama.
                                    dos meus cheiros.
                                    dos meus pais.
                                    da minha mãe.
                                    dos meus lugares,
mas
      instalada num novo meu lugar.

Empenhei-me em fazer uma espécie de adopção de lugares, vários, vários fundos, cores, cheiros, sabores, formas, frutas, legumes, sorrisos e abraços, pó de estrelas e raios de sol; misturo-os todos um pouco, enfio-os na liquidificadora e carrego a todo o gás no botão... vvvvvvvvvvv! Um batido energizante, todos os dias pela manhã. Chegando a um estado em que não importa mais qual é o meu código postal, a minha casa mora em mim.

Non cercare una casa, cerca te stesso.
E quando trovi te stesso, improvvisamente, come per miracolo, l'intera esistenza diventa una casa
.
 

 Osho



      Itália e, especialmente a região de Savona, têm-se tornado, cada vez mais, a minha casa. Dou por mim a aconselhar lugares a locais, ou a indicar vielas e acessos rápidos a cafés. Ao mesmo tempo que há sempre quem me surpreenda com lugares saídos da caixinha de pandora.
Cada vez a cultura italiana se entranha mais em mim, assim como as suas gentes. Cada vez a causa das crianças italianas é mais a minha. E discuto-a com italianos, aqui, e com estrangeiros, aqui, e com estrangeiros, no meu país, e com estrangeiros, fora das duas casas. Defendo a causa destes jovens e crianças como se fosse a minha. O sistema educativo italiano, apesar de mais avançado do sistema educativo português em algumas coisas, encontra-se ainda em alguns cruzamentos da estrada da educação... E a minha Vanessa inimiga das injustiças e das coisas sem sentido, angustia-se. E junta-se a aliados do norte da europa e faz tertúlias de meia noite com vozes com outro sotaque de fundo, levantando vontade de falar, de levantar a voz, de se fazer ouvir.

AS CRIANÇAS PRECISAM DE SE SUJAR (de farinha, de lama, de ovos, de tintas, de suor, de n a t u r e z a)
AS CRIANÇAS PRECISAM DE PODER PERGUNTAR O QUE NÃO ENTENDEM SEMPRE
AS CRIANÇAS MERECEM UM SISTEMA EDUCATIVO QUE NÃO ESTEJA CANSADO DELAS OU DE SI MESMO
AS CRIANÇAS PRECISAM DE PAIS CHAMADOS À ATENÇÃO PARA O SEU PAPEL PARENTAL
AS CRIANÇAS MERECEM EXPLICAÇÕES INFINITAS
AS CRIANÇAS MERECEM CONTACTO COM A NATUREZA

AS CRIANÇAS ANSEIAM POR SER CRIANÇAS
(e ninguém lhes diz que isso não tem mal nenhum. E ninguém as informa que isso é mais do que razão para fazerem greve ao feijão e ao grão por uma semana)

     O meu teco corre em círculos de cada vez que oiço frases como:
«- Mas eu já tinha levantado a mão duas vez na aula...» (quando a minha pergunta tinha sido: - Mas se não percebeste bem isto porque não pediste à professora para explicar de novo?)
«- Mas a professora só disse que era para lêr, não era para estudar» (logo, não é necessário ficar com informações no cérebro sobre nenhuma letra de um texto de duas páginas)
«- Mas a professora disse que não é preciso escrever a resposta completa, chega assim»
     E o tico atira-se ao mar e diz que o empurraram de cada vez que:
- vê livros de inglês com os enunciados todos escritos em Italiano e os exercícios em inglês, na sua maioria sem exigir frases, apenas com espaços para completar. (Livros do 2º e 3º Ciclo)
- lhe chega à frente um jovem com um pedido de ajuda para um trabalho de casa de inglês que é: Escreve a tradução do texto para italiano . . . (eu fico sempre na dúvida se estamos já no secundário e a cadeira é Técnicas de Tradução.. confirmo. Estamos no 2º Ciclo)
- Um aluno da 1ª classe traz, dia após dia, trabalho de casa de um mínimo de duração de hora e meia.... Quando eu própria só quero passar o dia a correr na relva e a mandar cambalhotas nos baloiços!
- Um aluno do 5º ano não sabe resolver uma multiplicação, divisão em coluna, "à mão". E a resposta é sempre "sacar fora" da calculadora com o argumento sempre afiado "A prof deixa usar"
- vejo um rapaz no seu metro de altura, com uns 32kgs a meter às costas uma mochila mais larga que as suas costas, que lhe chega aos joelhos, e que faz um angulo de 45º entre a anca e a coluna, pesando seguramente mais de metade que ele...
- E così via...

Eu pergunto-me: Mas estamos a criar galinhas de aviário no ensino? Quem teve essa ideia? Era agradável ter uma conversa com essa pessoa, se calhar.
E cada vez mais tenho vontade de IR... De partir para lugares onde a natureza se impõe às crianças, onde o contacto com esta não é uma opção, mas um modo de ser, um modo de estar, um modo de viver...e não vejo a hora!
   
Mudando o assunto para coisas práticas ( e antes que me caia mal o jantar), gostava de partilhar que elas tinham razão: focaccia é bom e eu como :) As feiras do chocolate em Itália são uma tradição ( e que tradição!) Ele há chocolate de tudo e mais alguma coisa, feito de mil e uma maneiras...que miminho! Num fim de semana de família italiana, com as minhas colegas de EVS, a tutora e a coordenadora, aprendi a fazer massa: Tagliatelle. Foi uma actividade espectacular, um trabalho de grupo onde todas as energias estavam direccionadas no mesmo objectivo e em que o resultado foi de lamber os beiços! O cenário da janela era de montanhas com neve, um branco que reflectia o sol CHEIO de amor e energia para dar! A qual abraçámos imenso e deixámo-nos envolver.. O espírito de Natal instalou-se na casa e nos nossos corações.. De um modo ou outro tentamos passa-lo a quem nos rodeia. Nem que seja apenas com um sorriso ou um abraço!





    As manhãs de sol na praia, a brisa dos fins de tarde em bicicleta e as luzes da cidade à noite, no silêncio das vielas, deixam qualquer coração cheio de vibrações positivas, cheio de ambição, de sonhos, de vontade de partilhar objectivos, direcções, ideias, pensamentos. Se no início sentia-me "triste" por os meus amigos estarem em Portugal, agora posso ter a certeza de que no dia em que tiver de deixar Itália - a minha Itália - deixarei também, em forma física, amigos aqui. Mas enche-me a alma saber que estarão sempre comigo, que ormai são já um bocadinho meus, e estarão sempre a suportar o meu caminho, os meus passos, de mão dada a mim, curiosos, a ver quais serão os próximos desafios. E isso é uma coisa que o teu cantinho na caixinha fechada da zona de conforto, não há. Ter amigos fora do ninho é ter a certeza que nunca se está nem se estará sozinho no mundo. E saber-se que não se está sozinho no mundo é um dos sentimentos primários mais profundos, que todos apreendemos ao nascer, ao apegar pela primeira vez os dedos e o olhar dos nossos pais, dos nossos irmãos, dos de sangue. Os amigos são, incontornavelmente, a nossa segunda família. Sejam os que deixámos no ninho, sejam os que encontramos no caminho, longe do primeiro. São todos aqueles com quem, não importando a distância, não importando o tempo que passa desde um café ao outro, a conversa dura sempre mais do que meia horinha e quando termina (ou tem de terminar) sabe sempre, e sempre saberá, a pouco. Mas que te enche como mais nada o consegue fazer.

Obrigada a vocês.

Obrigada.

Um arco-íris de gargalhadas para um Natal CHEIO,
Vanessa Aires