quinta-feira, 19 de março de 2015

Criança hoje, criança sempre

     Hoje recupero uma nota perdida em 2011, entre relatórios e apontamentos de um estágio curricular ligado aos Direitos da Criança. E faço-o, principalmente, porque faz imenso sentido nos dias que correm, nos meus dias, um compromisso que fiz comigo mesma e para com quem me acompanhou na minha formação. para uma sociedade mais cheia de sorrisos, para crianças que nunca esquecem a essência de o serem, a essência que todos nós temos dentro de nós. Alguns fecharam à chave, infelizmente. O meu compromisso passava por não deixar que as crianças de hoje fechem à chave as suas infâncias quando forem os adultos do amanhã. O meu compromisso passava por devolver às crianças de hoje uma infância merecida, que cada criança pudesse ser criança. 

    « Este é o momento em que gostava de abraçar todas as crianças com quem brinquei neste período de estágio, mantendo nelas o sorriso que consegui ver em cada uma. Mesmo que estivesse apenas alojado nos seus olhos, acredito que, com o trabalho desta grande equipa do Projecto de Rua [Instituto de Apoio à Criança], acabará por invadir as suas bocas. As mesmas com que irão transmitir e fazer cumprir os seus direitos, sem nunca esquecer os deveres.[...] penso que muitos agentes desta sociedade de hoje deveriam assistir a momentos destes [crianças que brincavam no meio da lama para obter o material necessário a uma actividade artística a realizar]. Julgo que poderia ser uma boa ajuda para realizarem o quão simples pode ser a vida, o quanto podem poupar as cordas vocais e as órbitas oculares quando, ao se depararem com o filho, aluno, sobrinho ou educando encharcado em lama, com sapos nos bolsos ou salpicado da última poça de chuva onde passou, poderem sim dar-lhes o seu maior sorriso sábio e corrector, de mão dada. Lembrando como foram naquela idade e o que mais gostavam de fazer, usando um discurso educativo do certo/errado, que tão bem dominam e, em vez de perderem a paciência ou ganharem mais aquele cabelo branco, possam encontrar um melhor caminho do que aquele inexistente, o da perfeição.
      As crianças necessitam brincar, mais do que estar escrito na carta dos seus Direitos, é evidente nas suas caras a cada dia. É muitas vezes no seu brincar que se descobrem as maiores carências, dificuldades de relacionamento, de aceitação, auto-estima, auto confiança, por exemplo. As crianças necessitam brincar não apenas sozinhas, não só com os seus pares, mas essencialmente com os pais, mostrando-lhes estes que estão ao mesmo nível, prontos a escutá-las, a partilhar emoções e saberes, de mão dada. O mesmo se passa com os agentes sociais de todas as instituições de solidariedade social ou de educação. Toda a criança necessita, a meu ver, de partes iguais de regras e de jogo, podendo este ser um bom recurso para se explicar a vida, com a seriedade que requer e merece. [...] chegar à criança e ao jovem como um amigo, que brinca em conjunto e partilha das mesmas preocupações. No jogo aprendem-se também muitas estratégias de resolução de problemas, podendo estas ser importantes para a vida em sociedade. Na ampliação dos pequenos conflitos ou derrotas que surgem durante a brincadeira, qualquer um é capaz de poder retirar o conhecimento que necessita para solucionar um problema mais complexo da sua vida, com maior ou menor dificuldade. É precisamente nos casos em que há maior dificuldade em identificar as estratégias a utilizar e globalizá-las que o trabalho do agente social é crucial. Ao ajudar o jovem neste processo, está-se-lhe a dar as ferramentas de que precisa para enfrentar a sua vida de cabeça erguida e braços abertos, sem perder o sorriso de menino. »



E daqui volto a repetir um pensamento de há mais de um ano atrás:

AS CRIANÇAS ANSEIAM POR SER CRIANÇAS
(e ninguém lhes diz que isso não tem mal nenhum. E ninguém as informa que isso é mais do que razão para fazerem greve ao feijão e ao grão por uma semana)







O meu compromisso de há quase quatro anos atrás não desvaneceu nem um tom, e o estar num lugar onde a natureza está mais próxima das crianças dá-me mais certezas da real possibilidade de se passar à prática. Infelizmente, nas escolas aqui no Nepal, ainda se verifica uma realidade dos meus tempos do 1º ciclo e de toda a infância da Mocidade Portuguesa - a violência na educação, nas escolas, com as crianças e entre as crianças, será algo que nunca entrará na minha compreensão. Mas sobre isso, podemos falar na próxima mesa de café.


Holi Festival@ Tikapur, Nepal(2015)