quarta-feira, 26 de novembro de 2014

"Plastiquismos" à parte

     Se houve algo que sempre me inquietou o espírito durante a minha estadia e trabalho em Itália foi, sem dúvida alguma, o desperdício de plástico generalizado em cantinas e serviços de refeição destinados a crianças e staff nas escolas e centros de educação e de infância, em geral. Pelas aclamadas regras de higiene e cuidado com a saúde pública, redução do risco de transmissão de infecções e afins, pratos e pratos e talheres e copos de plástico eram, todos os dias, despejados em contentores do lixo. Com a "pequena" agravante de que, em Savona, se o plástico estiver "sujo" não poderá ser reciclado (...) e, portanto, segue para o lixo comum. E como em Itália a organização da comida é diferente da nossa, não me refiro a um prato por aluno, por refeição, mas sim a dois pratos - Primo piato + Secondo e contorno - por aluno. Imaginem a quantidade diária de plástico que é deitado no lixo, directamente, sem grande divisão. 

     É precisamente com este pensamento em mente que observo todos os dias, aqui na casa, como as crianças se dirigem, um por um, até à bomba de água com o seu prato de metal na mão, antes de comer e depois de comer, lavando-o para aquela utilização. Existem alguns pratos a mais, para as visitas, mas não existe nenhuma refeição em que um prato fique por lavar. Assim que terminam de comer, arrancam a todo o gás para a bomba de água, lavando-o e colocando-o, depois, no lugar. Isto trouxe-me meia memória de infância - é claro que já nasci no tempo europeu em que nos davam a loiça já lavada, nas grandes cantinas do infantário, mas - lembro-me de comer a sopa também em malgas de metal, e de beber o leite, ao lanche, em canecas de plástico-estilo-pic-nic-daquele-rígido-que-se-pode-lavar-e-reutilizar. Não me lembro de alguma vez o médico ter dito aos meus pais que no tratamento a um qualquer diagnóstico de gripe eles tivessem de enviar o meu prato pessoal para o infantário ou para a escola. Na verdade, acredito que isto possa efectivamente melhorar as defesas das crianças a longo curso, ajudando à criação de anticorpos. Não me alongarei nesta discussão de saúde pública nem irei, sequer, entrar no discurso ambiental, em que a escolha plasticária feita em Itália (e talvez também já seja assim nas escolas portuguesas; perdi essa evolução, confesso) pode implicar. 

     Por outro lado, esta ideia de que cada um limpa o seu prato e o arruma, introduz um outro reparo que gostava de fazer - a noção de arrumação e limpeza que estas crianças têm. Eles são mais ou menos uns trinta a viver todos na mesma casa, desde pequeninos a maiores de idade, mas todos, sem excepção, arrumam os seus quartos! É claro que os mais pequenos precisam de um "lembrete" ou incentivo, mas nos mais velhos esta noção já está interiorizada - de manhã, uma das actividades realizadas naquelas horas extra que o levantar às 5h lhes dá é, precisamente, a dança da vassoura. Sobe-se as escadas e salta-se o último degrau, onde já anda uma das mais velhas a varrer freneticamente. Nos dias em que se activa um dos pequenotes, activam-se todos: é ver uns de vassoura na mão pelo chão, outros em equipa que passam a roupa seca da cama para o cabide, o outro que arruma os livros e a mais velha que alinha as tropas do quarto em frente. Ninguém "respinga" muito, fazem-no meio em brincadeira, ainda de sorriso em face! O cuidado com a roupa é também feito por cada um, logo que se cresce um bocado e já não se tem sete anos, mais ou menos. A partir desta idade cada um toma conta da sua roupa, lavam-na, estendem e arrumam numa organização que só eles entendem. O "armário" é um cabide em madeira dividido entre os quatro ou seis que dividem o mesmo quarto também e, no meio de calças, camisolas, camisas, saias e t-shirts, eles lá se entendem sobre a quem pertence o quê, sendo raro ver roupa pelo chão ou espalhada no quarto dos mais velhos. Estou segura de que se a minha mãe visse os quartos deles de manhã (ou especialmente ao Sábado - dia de limpeza geral, já que a empregada não está) ia simplesmente dizer-me: «- Devias ter vergonha do teu quarto, Vanessa! Segue só este exemplo..» E eu dar-lhe-ia toda a razão. 

     Estas observações mostram-me e confirmam-me o quão importante é responsabilizar as crianças desde novas. O quão importante é mostrar às crianças que o que temos deve ser cuidado, é nosso, deve ser atentamente tratado e que nem sempre temos a mãe, o pai, a empregada, a avó ou quem seja ali para nos "servir". E, mais uma vez, contra mim falo, mas é também disto que a vida é feita - auto consciencializar de forma a melhorar, a reconhecer, a crescer. . Tikapur está a entrar-me dentro, passando o pleonasmo.

Obrigada. 

Bom apetite, pessoas!

domingo, 16 de novembro de 2014

Contra parasitas, germes e bactérias!

      O dia começa bem cedo, com a corridinha matinal à qual eu me esquivo sempre, troco normalmente pelo meu livro ou diário. O que normalmente atrai uma chávena de chá e uma rodela de Roti (q é como quem diz pão, um especial destas bandas) acabadinho de amassar, tender e cozer na chapa! Sempre entregue com um sorriso das mãos da Didi da cozinha e um "tato tato!" que é como quem diz "quente, quente!". Mas que belo despertar.
      Normalmente segue-se o momento trabalhos de casa, que é sem dúvida uma óptima técnica, de cérebro fresquinho. Mas como falamos de um sábado, não há T.P.C pra ninguém e a malta vai é toda a banhos! Não, não há praia, nem sequer fluvial. Há sim baldadas de água fria pra toda a gente. Principalmente aos cabelos de princesas de todas as raparigas. E sentadinhas depois no terraço viradas ao sol, sentamo-nos às pernas umas das outras e deixamos tranquilamente que nos controlem o cabelo contra piolhos...que Maravilha! Esta malta percebe claramente disto (poderia dizer "melhor que eu", mas na verdade não percebo nada, então deixo-me controlar, feliz da vida) saio dali com um saldo negativo de uns 15 piolhos (cada um encontrado era passado para a minha mão para o controlo de vida, daí ter contado), digo negativo porque cheia de sorte já estavam todos mortos! 
"- Como é que eles estão já mortos no cabelo se não metemos veneno?" - pergunto na minha ignorância.

"- No food, miss!" - ri-se a Maria pra mim. E eu rio-me também, concluindo q estes parasitas da natureza vieram também eles todos contentes vasculhar no cabelo claro desta estrangeira. Mas teve azar. A minha frequência bi semanal de banho capilar não lhe deixou muito pra encher a pança! 
Vanessa 1 vs Piolhos 0

      
      Como é sábado, e sábado é o único dia de fim de semana aqui, é festa! E na festa come-se carne. Franguinho pra toda a gente.
"- Miss, you want to come buy meat?"
"- Of course I do!"
      E era claro que queria. Do que tinha visto em Kathmandu nos chamados talhos da cidade - rápida elucidação: a carne está na banca como a do mercado do peixe, mas a banca não está num mercado, está ali entre a loja das ferragens e a mercearia, bem no meio da estrada, com carros e motas e bicicletas e rikshaw e pessoas a passar e pó a voar -, não me inspirava muito a carne por estas bandas, então decidi ir ver como era em Tikapur, sendo uma cidade mais pequena (esperava eu também uma coisa menos evoluída ainda). Estava enganada.
Eis que me deparo com uma espécie de jaula, na esquina da estrada, protegidinho das moscas e insectos afins! A coisa até agrada assim à primeira vista, não cegamos logo à entrada com o branco clínico da paredes e luzes ultra violeta a q estamos habituados. Portanto, insectos não, pó tá bem. Tá bem, então. 
"- e quantos kilos são, menina?“ - talhante


"- São sete“ - Joana, "- Podemo-nos sentar aqui, Miss" dirigindo-se a mim indicando o banco ali na frente da jaula.

"- Quanto tempo demora, sabes Joana?" - a minha mania do tempo
"- Não sei, miss. Às vezes quarenta minutos, outras uma hora. Depende"
Saquei da lima, da acetona, do verniz e fiz passar metade do tempo num flash colorido e cheiroso! A outra metade apreciei o espectáculo - de máquina em punho, claro! Rapidamente percebi o esquema e a causa do prolongado tempo de espera: as galinhas, pobres criaturas, vinham à vez, la de trás do galinheiro, conforme se precisava de mais kilos. E todo o processo que em tempos de catraia via em casa da minha avó, ali era feito meticulosamente no so called talho.


     Mais um cheiro a puxar à minha infância - pele de galinha chamuscada! Devo confessar que o cérebro começa a bombar automaticamente, mas vendo bem a coisa, eles comem disto todos os sábados e a mim parecem bem saudáveis! Quem precisa de amukina e tretas que tais?
Fecho este post com a partilha da "poção mágica" para não haver bactéria que resista no corpo. Acabamos de jantar, já depois do sol se pôr, e a Didi cozinheira pergunta-me se quero chá. Mas o grupo de mais velhos que ali ficou na cozinha mete-se aos risinhos com a Didi e dizem todos alegred também querer! Quando me chega a chávena às mãos e meto o "chá" à boca, tenho uma mini explosão de sabores - ervas, picante e salgado.. Um mix q não se percebe bem. À minha pergunta "- o que é? É mesmo chá?" obtenho um "- nós chamamos-lhe poção mágica. Mas é chá normal com pimenta preta moída. Dizem que é bom para evitar as constipações! You like?" Ora pois que deve ser bom pra isso, deve, não haja dúvidas! E lá consegui exprimir-me "- este chá pra mim talvez tenha de levar açúcar..!" :)


Para quem quiser saber mais sobre a minha experiência e onde estou e a fazer o quê, pode informar-se aqui.

domingo, 9 de novembro de 2014

Aceitar convites #1


        Como bem educada rapariga que sou, nascida em um dos países mais hospitaleiros da Europa (pelo menos), quando me convidam para festas, refeições, cafés, chás e voltas, a minha resposta costuma ser:
" - Quando? Onde? Bora! "

Assim foi, quando as raparigas da Casa de Tikapur me convidaram para o concurso de dança que ia haver na escola delas na sexta feira seguinte. Ainda por cima um concurso de dança! Comecei logo a imaginá-lo como se fosse o espectáculo de dança das minhas sobrinhas, ao qual tento sempre não faltar, apesar das distâncias. O meu "Sim!" a este convite foi instantâneo também por pensar nelas, e lembrar-me o quão especial é para uma criança ter no público de um evento destes, alguém por quem nutrem um carinho especial. Apesar de estar aqui há pouco tempo, sei o quão importante é para estas crianças terem a presença de um voluntário estrangeiro nas suas vidas - é a forma como viajam pelo nosso mundo e, também, o modo de, por aquele período de tempo em que aqui estamos, se tornarem eles as estrelas da escola. Afinal, mais nenhum dos seus amigos pode dizer que quem o penteou de manhã foi a rapariga estranha de pele branca e cabelo claro que passeia "perdida" nas ruas da cidade deles. 

          Chegámos à escola a tempo de assistir a todo o concurso. Era um dia de festa, disso não havia dúvidas. Todos os alunos estavam no pátio principal, amontoados em frente ao "palco". Nada do que possa ter imaginado se encaixou, claro. Mas o sentimento do momento estava todo ali. A música ouvia-se de longe, dando a entender que se teria todo um sistema de som por detrás. Na realidade, tudo se organizou e levou a bom fim com a boa vontade de professores empenhados, já que bastou uma coluna potente, um cabo de som e os telemóveis ou Pen USB de cada aluno ou aluna que iria participar. Aqui a frase "Não há orçamento para organizar isso" não tem razão de ser. Com o pouco que se tem, faz-se o máximo que se pode. E se a malta quer dançar, toda a escola se organiza para isso! Dois professores controlavam a coluna e a passagem das músicas e outro segurava o microfone dando as honras de MC - chamando os alunos e alunas um por um por ordem de classes.

Contudo, acabei por ter de me lembrar que não estava em Cuba, no Alentejo, estava mesmo numa cidade longe dos turistas do Nepal. E se eu acreditava ir ver um espectáculo, no fundo o espectáculo era também eu. Assim que pusemos o pé dentro do pátio da escola, todos os olhos se viraram a mim. Três professoras que punham a ordem nos miúdos aperceberam-se rapidamente que tinham uma visita fora do comum no público e apressaram-se a dar-me uma das suas cadeiras, ali atrás do amontoado de crianças no público. As perguntas em nepalês começaram a cair sobre a minha colega nepalesa que me tinha acompanhado. Todos estavam curiosos. Os jovens da Casa de Tikapur vinham ter comigo, à medida que davam pela minha presença, todos com um amigo ou amiga pela mão (que acredito quisesse vir ver de perto a espécie rara de pele branca :) . As professoras tentavam manter o público o mais "agachado" possível para que elas e a sua visita "especial" conseguisse ver o espectáculo! 
" -Miss! Miss! Come." - chamava uma das professoras com uma cadeira em mão a passar à frente dos miúdos. Tentei recusar, já tinha interferido o suficiente. Sem êxito, ainda tentei levar a minha colega nepalesa comigo quando me apercebi para onde me queriam levar a cadeira. Fracasso de novo. Em menos de três segundos estava sentada no palco, na cadeira à esquerda do Director da escola. ("Grande embrulhada, ó Vanessa!")



" - Welcome to our school, miss. How long are you in Tikapur? You live here? It's an honor to have you with us today." -diz-me o Principal, encantado da sua vida, de sorriso em face. 

O meu cérebro arrancou sozinho: "Como me sento? Podem as mulheres cruzar a perna? Será que tenho de meter o lenço de maneira especial? Bater palmas ou não, eis a questão? E onde estão as minhas meninas? Preciso de um olhar familiar..!"

A música foi andando e as crianças foram dando o seu melhor nas performances. Música nepalesa e Hindu, bem ao estilo Bollywood, para a vossa imaginação dançar também. Esta malta sim que movimento de anca. Dão dez a zero a qualquer Shakira de meia tigela, é o que vos digo! Vi meninas de 6 anos a rebolar a anca como nem eu devia saber que era possível aos 10. 

Até que finalmente a nossa estrela subiu ao palco. Estava nervosa que só ela sabe e só não tremia que nem varas verdes porque o importante aqui era enrolar a anca e os braços num movimento sintónico com o coração e o sorriso "- Don't forget to smile!" - ainda lhe sussurrei quando me passou no palco. Mas ela estava bem preparada. A noite anterior tinha sido um par de horas cheias de música, no terraço, à luz da lua cheia! Sim, dançar é também uma das coisas que esta malta faz quando há cortes de corrente. Foi um espectáculo privado melhor que tantos a pagar que se vêem por aí. Ver crianças e jovens a dançar, sem vergonhas, no conforto do seu lar, entre irmãos e irmãs, que é o que são uns para os outros, é um preenchimento de amor ao qual não se consegue dar palavras como legenda. É algo que se sente.. e que fica para sempre no nosso coração e memória, não há como fugir.





E depois, bem.. é como eles dizem: "Quem dança, seus males espanta!" 

terça-feira, 4 de novembro de 2014

" Miss! Miss! I love iú. "


No Nepal em geral, os cortes de corrente são comuns. Há horas específicas do dia, dependendo da zona em que se está, para se apagar as luzes. Não é um pedido, nem um "apagão" pontual por uma razão especial.. É mesmo uma imposição - é assim - a luz vai-se na zona toda. Então as pessoas tendem a organizar a sua vida em função da luz que vão ter e quando não a terão. É o caso dos estudantes, que acabam por preferir estudar ao amanhecer, com os primeiros raios de luz 

"- o meu cérebro funciona melhor de manhã, miss!" , diz-me uma das meninas quando menciono os trabalhos de casa em espera.


Às 5h da manhã já está tudo a pé e os mais corajosos fora de casa para arrancar prá corrida matinal! Não importa a idade, só a força de vontade. (é claro q a minha preguiça até à data tem levado a melhor) É depois do pequeno almoço das 6.30 da manhã que esta malta mete as mãos à obra, quer dizer, aos livros! E quem não terminou na noite anterior tem agora duas horas gordas pra por os deveres de escola em dia, medeados por uma banhoca de bom dia!

A minha esperança na juventude de hoje ganha força, pois, quando uma piriri de quatro anos de idade está de tal forma empenhada nos trabalhos de casa em sessão depois de jantar que, quando se dá o "puff!" de luz cortada e eu me apresso a ligar a luz frontal (para iluminar a "irmã mais velha" que em contra-relógio cose ainda dois fechos em mochilas), vira-se bruscamente p mim e
"-Miss! Miss! Light!" abrindo de rompão o caderno e espetando a matita no papel que nem máquina de escrever..! 

Pobres de nós, cheios do luxo, que quando nos falta a luz temos a desculpa perfeita para nos coçar e corremos a afugentar os medos, de velas aos molhos em punho..! A mim me incluo. Esta é, sem dúvida, uma grande lição que levo desta princesinha.

Os sonhos já seriam violeta, mas intensifica-se a certeza da cor quando ao meu: "- goodnight girls! See you tomorrow", tenho um sorridente:
" -miss! Miss! I love iú!" soprado de um meio metro de gente a espreitar da ombreira da porta :)

A vida pode, verdadeiramente, ser simples .

sábado, 25 de outubro de 2014

Another inch of Monkey Temple


Para quem ficou curioso sobre a vista do alto do templo sobre o vale de Kathmandu,



E para que todos vocês vejam como há sempre um macaco a comer da mão de alguém importante..






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Macaquices à parte, hoje foi dia de cerimónia em família - Tika Day of Diwali Festival
a breve, o resumo !

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Watch out, the monkeys will chase you!

Devo confessar que meter-se a conhecer cidades sem ninguém que sirva de guia local tem o seu quê de surpresa. 
Assim, no momento em que uma pessoa se mete a dar corda à chinela pelo mapa riscado, começa logo a dúvida à quinta esquina quando depois da ponte surge o início de uma subida para o meio de um qualquer bairro emboscado, ao fim da qual pensamos ver a bela Stupa..! 
E vemos. Mas não à nossa frente, vemo-la bem lá no alto, acima do nosso nível ocular, separada de nós por um bairro em terra batida e poeira a cada buzina de mota.. 
"- Didi, Namaste! The Stupa is this way?"
"- Namaste! Yeye.. " - apontando com a mão para a espécie de estrada que seguia..
Keep on.. Buzinas pra frente, buzinas pra trás, nem sinal de turistas, segue segue. Motas que levantam pó e táxis que o fazem bailar pelos nosso cabelos. Uma curva ao final e giramos para um mercado de rua montado no chão de uma praça: colares de flores, fruta, frutos secos, taças de folha de couve de, taças de metal, velas, e mais isto e aquilo! À frente o início de uma escadaria apresentada por uma mesa cheia de velas acesas e por acender, à espera de quem queira fazer uma rezinha. E a escadaria é tão alta..! Porque raio não me informou disto o mapa? Ao primeiro pé que meto na escada começo a ouvir "risinhos" - pera lá, não sao risos.. é macacos por todó lado, voilà! Pequenos, grandes, magros, assim-assim, a pé, aos saltos, às cavalitas (o meu cérebro funciona sozinho - esconde tudo, não tocar em comida, não parar muito perto, será que estes são como os da Indo que roubam tudo?! Espera-se que não). Com o córtex em alto alerta sigo a escadaria ponteada por grandes estátuas de Buddha, saudando a nossa chegada e ascensão até ao alto da sua Stupa. 
"- zanf!". E macacos que correm. Eis uma ideia brilhante: a bela da avozinha de fisga na mão (sim, fisga, feita de pele e madeira, como a que a malta fazia há uns bons anos atrás), de mira apontada aos macacos, sem distinção, a afugentá-los todos do seu negócio (leia-se: banca a meio da escada)..! 




E eis que após mais uns degraus se ergue à nossa frente a imponente Swayambhunath Stupa. Todo um ambiente tranquilo e acolheder em torno. Cheiros vários, e velas e pó colorido, sinos que rodam no sentido dos ponteiros do relógio, pessoas que caminham no mesmo sentido e os fazem girar.. Cães, tantos cães.. Na hora da sesta, todos. E macacos, vários macacos.. Que não param quietos, nenhummm, Menos tímidos que os das escadas. 
À medida que exploro as portas abertas e vielas escondidas chego a uma espécie de miradouro. Com um macaco. Que não escapa. Que fica especado a ver-me aproximar. "- fluf!" agarrado à minha garrafa de água! (a sério q estes zecas até as garrafas de água querem?!) Vanessa 1 - Macaco 0. 
Ao seguir encontro a entrada para um mosteiro. Entro, meia tímida. T-shirts vermelhas secam no estendal da entrada e um monge está sentado perto da lenha "- Namaste!" uma tranquilidade geral no ar, silêncio. Entre um sorriso e um passo tenho outro macaco a barrar-me a passagem, hesito. O monge intervém e o macaquinho vai à sua vida. Este é um mosteiro pequeno, bem restrito no espaço. Passo para um jardim interior não totalmente fechado, com uma vista estupenda sobre o Vale de Kathmandu, bandeiras de reza tibetanas por todo o lado..uma paz. E a caótica Kathmandu lá ao fundo, bem longe. Um paraíso no alto!


Kathmandu é mágica, consegue surpreender-nos atrás de esquinas e vielas..! É um misto de tudo e de nada, um sabor a "há um tempo atrás..". Não sei como era a realidade da minha avó ou da mãe dela com a minha idade, mas acredito bem que fosse bastante idêntico. 

Com uma particularidade: mesmo que ela fosse comprar umas bolachas pro caminho, à saída da igreja, nunca teria a senhora do quiosque a avisar "- Be careful, monkeys will chase you!" (pq é q a senhora das bolachas não está à entrada?)



Mas que fantástica macacada!







quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Comichices


Imaginai ,

Imaginai uma comichão ligeira, estilo picada de mosquito que, de repente, é só uma impressão e, depois de uns minutos e umas horas, começa a ser um grave problema de fricção entre a nossa bela unha (ou mesmo belas 5 ou 10, dependendo da intensidade) e a nossa perna, braço, costas...ai nas costas…mesmo naquele ponto central onde quase não chegamos e, depois, já nem as 10 unhas são suficientes, porque a nossa flexibilidade já la vai e só queremos algo pontiagudo que nos safe desta...!

Agora focalizai essa sensação. É exactamente essa espécie de "pânico" associado ao incomodo geral que sinto devido a esta coisa de uma pessoa ir mudando de poiso. Esta mania de uma pessoa ir começando do zero. De começar uma imersão numa cultura (local, nacional, internacional). De se mandar sozinha para outras línguas maternas, outro código postal, outro código de país, outras cores de matriculas, outros cheiros, novas gentes, novas tradições, novas comidas, novas arquitecturas, novas expressões do dia-a-dia, novos modus operandi, novos amigos... Ai os novos amigos... São esses. É precisamente quando nos sentimos chamar amigo a alguém e o sentimos a ele ou a ela a acomodarem-se no nosso coração, e o nosso coração a acomodar-se a eles, com o conforto de ambas as partes; é quando vem o momento em que sentimos que exactamente aquela pessoa nunca mais sairá dali, já nos pertence, o nosso coração já lhe pertence..e presenciamos a espécie de magia de sentirmos o mesmo com o coração da outra pessoa. Sentimos tal e qual o mesmo do lado de lá da barricada...
Então, essa sensação de construção de uma nova amizade-para-a-vida, quando surge a quilómetros da nossa "chamada" casa, é o sinal para o inicio de um novo tipo de "problemas " na nossa vida. Exactamente porque esta comichão de se ter duas casas, três casas, de se ter mais do que um sítio onde sentimos que é casa, que é o nosso lar-doce-lar; que os cheiros e as gentes e as ementas e os dizeres e as expressões já nos são intrínsecas, que já nos fazem parte e já estamos envolvidos nelas até aos ossos. É a sensação que nos faz pesar o coração quando temos de permanecer mais tempo "parados" numa dessas "casas". E a comichão aumenta na intensidade quando o sítio em causa é a primeira casa a que chamámos casa pela primeira vez. A única que conhecíamos quando aprendemos o conceito associado a palavra "casa". Quando depois de o nosso coração já ter encontrado um lar noutros sítios que não o nosso primeiro lar e não estamos bem em casa...porque sentimos saudade de casa...porque queremos sair de casa e para ir já para casa... Porque nos fazem falta os outros amigos, aqueles que nos conhecem bem como somos agora, os que conhecem bem o que de nós temos para lhes dar. E quanto mais nos concentramos na comichão, mais vontade temos de coçar e só estaremos bem quando pudermos cortar aquele bocado de pele e deitar fora, para ver se assim passa... Mas vamos inserindo anti-estamínicos, vamos dando tempo. Vamo-nos distraindo com um livro, um filme, uma música... esperando não pensar muito nisso. Mas volta a sensação de quente. E voltamos a querer correr para aquela sala, aquele jardim, aquele alpendre em casa daquele ou daquela. Queremos só perder-nos no tempo com palavras salteadas num copo (ou vários) de um bom vinho e voltar a beber daquela vida que nos bebe a nós, que nos conhece e absorve aquilo que temos para lhe dar com a mesma vontade que nos dá de absorver...

É, de facto, complicado gerir as emoções de uma vida em que nos vamos imergindo em novas culturas, em novos ambientes, em novas populações. Quando temos a sorte de encontrar pessoas com quem nos identificamos torna-se ainda mais complicado gerir os regressos à primeira casa que conhecemos como casa, mas que simplesmente deixou de saber a casa. É então que percebemos que casa mora dentro de nós e é mesmo nessa paz interior, nesse autoconhecimento e autoconsciência que conseguiremos estar em sintonia connosco e em casa, sendo indiferente qual delas. Seja na que nos viu crescer, na do meio de uma praia longínqua ou dentro de um qualquer autocarro com destino em bué bué longe. A sede de continuar a beber novas culturas e a curiosidade de encontrar novos amigos (que já fazem parte da nossa alma antes de o sabermos) aumenta a cada dia que a data de um novo "arranque" se aproxima. E, no fundo, voltar a casa-casa traz sempre o sol à resposta, afasta sempre a neblina e devolve-nos a leveza de que somos feitos.

Afinal, uma picada de mosquito não passa disso mesmo. Incha, comicha. desincha. E passa.

E estamos prontos para a próxima!