domingo, 9 de novembro de 2014

Aceitar convites #1


        Como bem educada rapariga que sou, nascida em um dos países mais hospitaleiros da Europa (pelo menos), quando me convidam para festas, refeições, cafés, chás e voltas, a minha resposta costuma ser:
" - Quando? Onde? Bora! "

Assim foi, quando as raparigas da Casa de Tikapur me convidaram para o concurso de dança que ia haver na escola delas na sexta feira seguinte. Ainda por cima um concurso de dança! Comecei logo a imaginá-lo como se fosse o espectáculo de dança das minhas sobrinhas, ao qual tento sempre não faltar, apesar das distâncias. O meu "Sim!" a este convite foi instantâneo também por pensar nelas, e lembrar-me o quão especial é para uma criança ter no público de um evento destes, alguém por quem nutrem um carinho especial. Apesar de estar aqui há pouco tempo, sei o quão importante é para estas crianças terem a presença de um voluntário estrangeiro nas suas vidas - é a forma como viajam pelo nosso mundo e, também, o modo de, por aquele período de tempo em que aqui estamos, se tornarem eles as estrelas da escola. Afinal, mais nenhum dos seus amigos pode dizer que quem o penteou de manhã foi a rapariga estranha de pele branca e cabelo claro que passeia "perdida" nas ruas da cidade deles. 

          Chegámos à escola a tempo de assistir a todo o concurso. Era um dia de festa, disso não havia dúvidas. Todos os alunos estavam no pátio principal, amontoados em frente ao "palco". Nada do que possa ter imaginado se encaixou, claro. Mas o sentimento do momento estava todo ali. A música ouvia-se de longe, dando a entender que se teria todo um sistema de som por detrás. Na realidade, tudo se organizou e levou a bom fim com a boa vontade de professores empenhados, já que bastou uma coluna potente, um cabo de som e os telemóveis ou Pen USB de cada aluno ou aluna que iria participar. Aqui a frase "Não há orçamento para organizar isso" não tem razão de ser. Com o pouco que se tem, faz-se o máximo que se pode. E se a malta quer dançar, toda a escola se organiza para isso! Dois professores controlavam a coluna e a passagem das músicas e outro segurava o microfone dando as honras de MC - chamando os alunos e alunas um por um por ordem de classes.

Contudo, acabei por ter de me lembrar que não estava em Cuba, no Alentejo, estava mesmo numa cidade longe dos turistas do Nepal. E se eu acreditava ir ver um espectáculo, no fundo o espectáculo era também eu. Assim que pusemos o pé dentro do pátio da escola, todos os olhos se viraram a mim. Três professoras que punham a ordem nos miúdos aperceberam-se rapidamente que tinham uma visita fora do comum no público e apressaram-se a dar-me uma das suas cadeiras, ali atrás do amontoado de crianças no público. As perguntas em nepalês começaram a cair sobre a minha colega nepalesa que me tinha acompanhado. Todos estavam curiosos. Os jovens da Casa de Tikapur vinham ter comigo, à medida que davam pela minha presença, todos com um amigo ou amiga pela mão (que acredito quisesse vir ver de perto a espécie rara de pele branca :) . As professoras tentavam manter o público o mais "agachado" possível para que elas e a sua visita "especial" conseguisse ver o espectáculo! 
" -Miss! Miss! Come." - chamava uma das professoras com uma cadeira em mão a passar à frente dos miúdos. Tentei recusar, já tinha interferido o suficiente. Sem êxito, ainda tentei levar a minha colega nepalesa comigo quando me apercebi para onde me queriam levar a cadeira. Fracasso de novo. Em menos de três segundos estava sentada no palco, na cadeira à esquerda do Director da escola. ("Grande embrulhada, ó Vanessa!")



" - Welcome to our school, miss. How long are you in Tikapur? You live here? It's an honor to have you with us today." -diz-me o Principal, encantado da sua vida, de sorriso em face. 

O meu cérebro arrancou sozinho: "Como me sento? Podem as mulheres cruzar a perna? Será que tenho de meter o lenço de maneira especial? Bater palmas ou não, eis a questão? E onde estão as minhas meninas? Preciso de um olhar familiar..!"

A música foi andando e as crianças foram dando o seu melhor nas performances. Música nepalesa e Hindu, bem ao estilo Bollywood, para a vossa imaginação dançar também. Esta malta sim que movimento de anca. Dão dez a zero a qualquer Shakira de meia tigela, é o que vos digo! Vi meninas de 6 anos a rebolar a anca como nem eu devia saber que era possível aos 10. 

Até que finalmente a nossa estrela subiu ao palco. Estava nervosa que só ela sabe e só não tremia que nem varas verdes porque o importante aqui era enrolar a anca e os braços num movimento sintónico com o coração e o sorriso "- Don't forget to smile!" - ainda lhe sussurrei quando me passou no palco. Mas ela estava bem preparada. A noite anterior tinha sido um par de horas cheias de música, no terraço, à luz da lua cheia! Sim, dançar é também uma das coisas que esta malta faz quando há cortes de corrente. Foi um espectáculo privado melhor que tantos a pagar que se vêem por aí. Ver crianças e jovens a dançar, sem vergonhas, no conforto do seu lar, entre irmãos e irmãs, que é o que são uns para os outros, é um preenchimento de amor ao qual não se consegue dar palavras como legenda. É algo que se sente.. e que fica para sempre no nosso coração e memória, não há como fugir.





E depois, bem.. é como eles dizem: "Quem dança, seus males espanta!" 

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